Foi uma iniciativa que começou em 1994 num bairro de Bissau chamado Quelelé, onde intervêm várias organizações, entre as quais a ONG AD, Acção Para o Desenvolvimento, promotora da iniciativa.
Por iniciativa particular de José Henriques, então técnico da ICAO a dar assistência técnica à Guiné-Bissau e que dedicou toda a sua vida, entusiasmo e competência à promoção de novas e modernas tecnologias de comunicação adaptadas ao desenvolvimento do país, a ONG Acção para o Desenvolvimento (AD) envolveu-se na criação desta primeira rádio comunitária que veio trazer ao bairro uma dinâmica de auto confiança e identidade que se está a transformar num instrumento útil de desenvolvimento colectivo.
Foi nesse ano que se dava então início à experiência daquela que passou a ser a primeira rádio comunitária de Guiné-Bissau, a partir de um pequeno equipamento de base; uma consola e uma antena as emissões cobriam um raio de cerca de 4km. Atingindo o bairro de Quelelé, com cerca de 10.000 habitantes, bem como alguns bairros limítrofes como Cumtum, Bairro Militar, Bor e Bra.
A adesão e entusiasmo criado nos habitantes do bairro, particularmente nos jovens que foram os primeiros a aderirem em força, aliados ao facto de se estar em vésperas de eleições presidenciais e legislativas levaram o poder político a interditar o funcionamento da rádio Voz de Quelelé e ordenar o seu enceramento, pretextando o não cumprimento das leis do país.
Com o surgimento de epidemia de cólera em outubro de 1994 e do pânico generalizado que se viveu, a rádio Voz de Quelelé decidiu recomeçar as suas emissões.
Se no princípio do ano a rádio Voz de Quelele funcionava apenas aos fim de semana, nas manhãs de sábado e domingo, já nesta fase as emissões passaram a ser diárias, apenas no período da tarde.
O maior sucesso da rádio Voz de Quelele foi sem dúvida o combate à cólera, uma actividade que se baseou em duas vertentes:
a) Organização da população para limpeza do bairro, remoção do lixo desinfecção do poços, evacuação dos doentes para o hospital (a AD teve um veículo sempre à disposição), desinfecção em casa dos doentes, visitas diárias dos membros do comité dos moradores a cada residência a fim de detectar casos de cólera.
b) Sensibilização da população para uma maior higiene doméstica, para um maior e reforçado acompanhamento das crianças, para a explicação da origem e formas de propagação da doença.
Toda a campanha utilizou fundamentalmente a rádio Voz de Quelele, onde regularmente vinham médicos da AD que respondiam às questões pertinentes colocadas diariamente pela população em mensagens adaptadas a uma linguagem directa e passadas nas várias línguas das etnias do bairro.
Segundo informações de que se dispõe, o bairro de Quelelé tera sido o menos atingido de Bissau por esta doença, com apenas seis casos confirmados de cólera, um dos quais mortal.
Grandes Desafios
A rádio Voz de Quelele deve preparar-se para assumir um papel mais organizado e estruturado, neste caso refira-se aos três grandes desafios:
1. Apropriação comunitária sob forma associativa
2. A sustentabilidade
3. Formação
1. Apropriação comunitária sob forma associativa
a) Criar comités de gestão nas rádios
b) Apropriação e controle comunitário
A meu ver, a questão da apropriação comunitária, sob forma associativa, deve ser uma preocupação, tendo em conta os desafios que temos pela frente e a filosofia que norteou a criação deste órgão que tem uma vocação comunitária.
O envolvimento da comunidade na gestão da rádio é um factor extremamente importante.
A rádio comunitária é uma entidade jurídica que adquirirá a sua identidade quando os seus estatutos forem reconhecidos pelas autoridades oficiais. Muitos projectos da rádio comunitária são iniciativa das associações locais, projectos de desenvolvimento, ONG´s, um membro da comunidade, etc. com o objectivo de impulsionar o desenvolvimento comunitário.
Os promotores mobilizam a comunidade à volta do projecto da rádio, que é um processo longo e pedagógico. Assim que se conseguir um envolvimento e uma apropriação de uma boa parte da população local de forma engajada e organizada da rádio, deve-se começar a desenhar uma estrutura de gestão representativa da rádio a nível comunitário: “Assembleia Geral”. Esta estrutura deve ser dotada de mecanismos que lhe permitam manter um justo equilíbrio entre os imperativos da gestão e a necessidade de assegurar a representação o mais numerosa possível das influências locais. Pode ser reservado o direito de arbitragem ou de veto aos promotores ou iniciadores.
2. Sustentabilidade
Abordagem da sustentabilidade deve ser tridimensional:
1 A nível financeiro
2 A nível de equipamento
3 A nível de recursos humanos
A nível financeiro
a) Vender programas de qualidade, publicidades, venda de cartão de ouvintes, comunicados, quotizações dos sócios
b) Parcerias com organismos internacionais e nacionais
c) Criar mecanismo de transparência que promovam a coesão interna
d) Dividir responsabilidade para que não haja Interferência nos órgãos
e) Diversificar -se as fontes de financiamento
f) Criar clubes de ouvintes
g) Produzir programas de qualidades e ser agressivo em termos de markiting
A nível de recursos humanos
a) Apostar na formação e capacitação de radialistas
b) Especialização de jornalistas em diferentes domínios
c) Motivação dos jornalistas (respeito e consideração pelo radialista, dar responsabilidade ao radialista)
3.Formação
a) Formação especializada e diversificada
b) Formação periódica
c) Restituição dos encontros
d) Seguimento e avaliação
§ Escolha do equipamento da rádio
a) Simples utilização
b) Fácil manutenção
c) Ter protectores para cada um dos aparelhos (estabilizadores) e stock de peças sobressalentes.
As rádios comunitárias têm-se revelado instrumentos eficazes no apoio à execução de campanhas práticas de vacinação, de educação sanitária e de combate às grandes epidemias.